quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Conhecer e ser conhecido

Para que fomos feitos? Para conhecer a Deus. Que alvo devemos estabelecer para nós na vida? Conhecer a Deus. O que é a "vida eterna" dada por Jesus? O conhecimento de Deus. "Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (Jo 17:3).
Qual é a melhor coisa na vida, que traz alegria, prazer e contentamento acima de todas as outras? O conhecimento de Deus. "Assim diz o Senhor: 'Não se glorie o sábio em sua sabedoria nem o forte em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor" (Jr 9:23, 24a).
Das situações em que Deus vê o homem, qual lhe dá mais prazer? O conhecimento dele. "... quero [...] conhecimento de Deus, mais do que holocaustos", diz Deus (Os 6:6; ra).

Dissemos muitas coisas nestas poucas sentenças. O ponto que queremos evidenciar é aquele que aquece o coração de cada cristão, embora o adepto da religião apenas formal não seja afetado por ele. (Justamente por este fato evidencia sua condição não-regenerada.) O que dissemos proporciona instantaneamente o alicerce, a forma e o alvo de nossa vida, além de um princípio de prioridades e uma escala de valores.

Uma vez que você se convença de que a principal razão de sua estada aqui é conhecer a Deus, muitos dos problemas da vida se enquadrarão devidamente. O mundo está cheio de vítimas do mal devastador que Albert Camus1 denominou absurdismo ("a vida é uma piada sem graça") e da doença que chamaremos "febre de Maria Antonieta"2 ("nada tem gosto"), já que foi ela que encontrou essa frase para descrevê-la.

Essas enfermidades prejudicam toda uma vida: tudo de repente se torna um problema e um aborrecimento, porque nada parece valer a pena. Mas os vermes do absurdismo e a "febre de Maria Antonieta" são doenças às quais, pela própria natureza, o cristão está imune, exceto por momentos ocasionais de perturbação, quando o poder da tentação deforma-lhe a mente; mas estes, graças a Deus, não duram muito.

O que dá valor à vida é ter um grande objetivo, alguma coisa que prenda nossa imaginação e conserve nossa fidelidade; e isto o cristão tem como ninguém. Pois haverá objetivo mais alto, mais exaltado e mais estimulante que conhecer a Deus?

De outro ponto de vista, entretanto, ainda não dissemos muita coisa. Quando falamos sobre conhecer a Deus, usamos uma fórmula verbal, e as fórmulas são como cheques, não têm nenhum valor a menos que saibamos como sacá-los. Sobre o que falamos ao usar a expressão conhecer a Deus? Sobre certo

tipo de emoção? Arrepios na espinha? Um sentimento irreal, como em um sonho? A sensação de entorpecimento e euforia procurada pelos viciados em drogas? Ou conhecer a Deus é um tipo de experiência intelectual? Ouvimos vozes? Temos visões? Pensamentos estranhos começam a passar pela mente? Ou o quê? Estes assuntos devem ser discutidos especialmente porque, segundo as Escrituras, trata-se de uma área na qual é fácil ser enganado, e às vezes se pensa conhecer a Deus quando isso não é verdade. Perguntamos então: que tipo de atividade, ou acontecimento pode ser propriamente descrito como "conhecer a Deus"?

O QUE O CONHECIMENTO DE DEUS ENVOLVE

Logo de início está claro que "conhecer" a Deus é necessariamente um assunto mais complexo que "conhecer" uma pessoa, assim como "conhecer" meu vizinho é mais complexo que "conhecer" uma casa, um livro ou uma língua. Quanto mais complexo o assunto, mais difícil é obter conhecimento sobre ele. Conhecer algo inanimado, como o Ben Nevis3 ou o Museu Britânico, é possível mediante a inspeção e a exploração. Essas atividades, embora exigentes em termos de esforço concentrado, são relativamente fáceis de descrever.

Quando se trata, porém, de coisas vivas, conhecê-las se torna muito mais complicado. Não se conhece realmente algo vivo enquanto não se souber, além da história passada, como costuma reagir e se comportar em certas circunstâncias. Uma pessoa que diz "Eu conheço este cavalo" normalmente não está indicando apenas que "já o viu antes" (embora possa ter só esse significado). O mais provável, entretanto, é que a pessoa queira dizer: "Conheço o comportamento dele e posso dizer-lhe como deve ser conduzido". Tal conhecimento só ocorre depois de algum contato anterior com o cavalo, vendo-o em ação e tentando conduzi-lo.


No caso de seres humanos, a situação é mais complicada ainda, porque, diversamente dos cavalos, as pessoas fazem segredo e não mostram aos outros tudo o que lhes vai no coração. Poucos dias são suficientes para conhecer completamente um cavalo, mas você pode passar meses e anos convivendo com outra pessoa e ainda dizer: "Eu realmente não a conheço bem". Reconhecemos graus de conhecimento acerca de nossos semelhantes; nós os conhecemos "bem", "não muito bem", "só nos cumprimentamos", "intimamente" ou "pelo avesso", de acordo com o grau de abertura deles para conosco.

Assim, a qualidade e a extensão de nosso conhecimento sobre outras pessoas depende mais delas que de nós. Nosso conhecimento é mais o resultado da permissão para que as conheçamos que de nosso esforço nesse sentido. Quando nos encontramos, devemos dar-lhes nossa atenção e demonstrar interesse, manifestando boa vontade e nos abrindo de maneira amigável. A partir desse ponto, entretanto, são as outras pessoas que decidem se vamos chegar a conhecê-las ou não.

Imagine agora que seremos apresentados a alguém que sentimos ser "superior" a nós, quer em posição, distinção intelectual, habilidade profissional, santidade pessoal quer de outro modo qualquer. Quanto mais consciência tivermos de nossa inferioridade maior será a sensação de que nosso papel é apenas ouvir respeitosamente e deixar que a pessoa tome a iniciativa da conversa. (Pense em um encontro com a rainha da Inglaterra ou com o presidente do Brasil.) Gostaríamos de conhecer pessoas assim importantes, mas sentimos que isso depende mais da decisão delas que da nossa. Se elas se restringirem ao protocolo, não poderemos reclamar, ainda que fiquemos desapontados, pois, afinal, não tínhamos nenhum direito a sua amizade.

Mas se, ao contrário, elas começarem a fazer confidências e a falar francamente o que pensam sobre assuntos comuns, se nos convidarem para algum programa particular que tenham planejado e pedir que estejamos permanentemente disponíveis para esse tipo de colaboração sempre que precisarem de nós, então nos sentiremos tremendamente privilegiados e nossa perspectiva mudará completamente. Se a vida até então parecia sem importância e monótona, não o será mais, agora que essas grandes personagens nos incluíram entre seus assistentes pessoais. Que grande novidade para transmitir à família — e uma boa razão pela qual viver!

Respeitadas as diferenças, esta é uma ilustração do que significa conhecer a Deus. O poderoso e justo Deus disse por meio de Jeremias: "mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me..." (Jr 9.24a) — pois conhecer a Deus é um relacionamento capaz de fazer vibrar o coração humano.

O que acontece é que o Criador todo-poderoso, o Senhor dos Exércitos, o grande Deus diante de quem as nações são como uma gota no oceano, se aproxima de você e começa a falar-lhe por meio das palavras e verdades das Sagradas Escrituras. Talvez você já conheça a Bíblia e as verdades cristãs há muito tempo, mas não tenham muito significado. Um dia, porém, você desperta para o fato de que Deus está realmente falando com você — você! — por meio da mensagem bíblica. Enquanto você ouve as palavras de Deus, sente-se cada vez mais diminuído, pois Deus lhe fala sobre seu pecado, sua culpa e sua fraqueza, sua cegueira e sua insensatez e o leva a considerar-se sem esperança e indefeso, e a implorar por perdão.

Mas isto não é tudo. À medida que ouve, você compreende que Deus está realmente lhe abrindo o coração dele, tornando-se seu amigo e aceitando-o como companheiro — segundo a expressão de Barth, um parceiro da aliança. É um fato desconcertante, mas verdadeiro — o relacionamento em que seres humanos pecaminosos conhecem a Deus é tal que Deus, por assim dizer, os aceita como seus assistentes para serem daí por diante seus cooperadores (v. 1Co 3:9) e amigos pessoais. O ato divino de tirar José da prisão e torná-lo primeiro-ministro do Faraó ilustra o que ele faz com todo cristão: de prisioneiro de Satanás, vê-se transferido a uma posição de confiança a serviço de Deus. Sua vida é transformada imediatamente.

A diferença entre sentir orgulho ou vergonha da condição de servo depende daquele a quem se serve. Muitas pessoas falaram do orgulho de prestar serviços pessoais a sir Winston Churchill na Segunda Guerra Mundial. Quão maior deveria ser o orgulho e a glória de conhecer e servir ao Senhor do céu e da terra!

O que então está contido no ato de conhecer a Deus? Juntando os vários elementos incluídos neste relacionamento, já delineados, podemos dizer que o conhecimento de Deus envolve inicialmente o ato de ouvir a Palavra de Deus e recebê-la de acordo com a interpretação do Espírito Santo ao aplicá-la a nós. Em segundo lugar, prestar atenção à natureza e ao caráter de Deus revelados em sua Palavra e obra; em terceiro lugar, aceitar seu convite e obedecer a suas ordens e, em quarto lugar, reconhecer o amor demonstrado por Deus e alegrar-nos nele. Com isso, o Senhor se aproxima de nós e nos atrai para sua divina companhia. (O Conhecimento de Deus - J. I. Packer - versão eletrônica)

1Filósofo de origem argelina (1913-1960), radicado na França. Foi um dos principais proponentes do existencialismo. Seus livros são marcados pela visão desesperançada e niilista da condição humana. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1957.
2Mulher de Luís xvi, rei da França. De ascendência austríaca (1755-1793), era odiada por muitos franceses. Conhecida por sua vida regalada e por debochar dos desafortunados, foi guilhotinada durante a Revolução Francesa.
3A montanha mais alta da Escócia (Reino Unido), com 1 343 metros.



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