Que o homem é
responsável por seu próximo é claramente ensinado na Escritura. O que aparentemente não é óbvio a
alguns cristãos é que esta responsabilidade se estende às responsabilidades
sociais bem como às espirituais. Um levantamento das Escrituras apoiará a
posição de que o dever do cristão para amar inclui as dimensões sociais bem
como espirituais do amor.
A.
A Responsabilidade para com Outras Pessoas
É aparente em todas as
partes da Escritura que os homens realmente têm uma responsabilidade diante dos
outros. A resposta de Caim: "Acaso sou eu tutor de meu irmão?" é um
"Sim" claro. Até mesmo antes de Caim, Adão recebeu a responsabilidade
pela sua esposa, fato este que está subentendido no fato do mandamento
destinado para Adão e Eva juntos, ter sido dirigido para Adão somente (Gn 2:
16, 17). Mais tarde, quando o assassinato e a violência encheram a terra, Deus deu aos homens a autoridade
para administrar a pena capital, a fim de refrear a violência (Gn 9: 6). Esta
responsabilidade dos homens uns pelos outros mediante o governo, é vista no
decurso do restante do Antigo Testamento (cf. Dn 4:17), e também no Novo Testamento (cf. Rm 13:1-7).
A responsabilidade não
é meramente proteger vidas inocentes; também inclui fazer o bem positivo em
prol dos outros. Segundo Jesus, é o ensino do Antigo Testamento também que o homem é responsável por amar seu próximo como a si mesmo. Jesus
disse que o amor é a essência da lei moral (Mt 22:39). Até mesmo disse que a
totalidade da moralidade do Antigo Testamento podia ser reduzida à Regra Áurea
(Mt 7:12). Exemplos específicos daquilo que significa amar aos outros não
faltam nem na vida nem nos ensinos de Cristo. As curas que Jesus fez dos
mancos, dos leprosos e dos cegos, ilustram Sua própria solicitude, e sua
história acerca do Bom Samaritano demonstra o amor que todos os homens devem
ter para com os outros (Lc 10:30ss).
As Epístolas do Novo Testamento abundam de exortações para os cristãos
cuidarem uns dos outros e dos de fora. Paulo escreveu: "Não tenha cada um
em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos
outros" (Fp 2:4). Outra vez: "levai as cargas uns dos outros, e assim
cumprireis a lei de Cristo" (Gl 6:2; cf. v. 10). A Primeira Epístola de
João é muito explícita no que diz respeito à responsabilidade do cristão no
sentido de amar aos outros, (cf. 3:17-18), como o é também a de Tiago (cf.
1:27). Em síntese, o homem é moralmente responsável pelos demais homens. Ele é
o guardião do seu irmão.
B.
A Responsabilidade para com a Pessoa Total
O que os cristãos às vezes não percebem, é o fato de que a
responsabilidade de amar às outras pessoas se estende à totalidade da pessoa.
Ou seja, o homem é mais do que uma alma destinada para outro mundo; é também um
corpo que vive neste mundo. E como residente desta continuidade do tempo e do
espaço o homem tem necessidades físicas e sociais que não podem ser isoladas
das necessidades espirituais. Logo, a fim de amar ao homem conforme ele é — o
homem total — é necessário ter uma solicitude acerca das suas necessidades
sociais, bem como das suas necessidades espirituais.
Parte do descuido do "homem total" tem sua origem na ênfase
platónica não-cristã sobre a dualidade do homem. Esta ênfase foi digerida pelos
cristãos na Idade Média e tem sido transmitida para o presente.2 Em
essência, argumenta que o homem é essencialmente um ser espiritual e que apenas
tem conexão funcional com um corpo que, na melhor das hipóteses, é um
impedimento, e na pior, um grande mal. A correção deste erro é achada no ensino
bíblico acerca da unidade essencial do homem, e da qualidade boa da criação
física e corpórea, feita por Deus (cf. Gn 1:31). Tanto a unidade do homem
quanto a bondade do corpo ficam evidentes na doutrina cristã da ressurreição,
fato este que é repugnante à mente grega (cf. At 17:32). A ressurreição do
corpo não faria bom senso se os homens fossem completos sem seu corpo. Do outro
lado, se o homem é essencial e permanentemente um corpo com alma, neste caso a
negligência de qualquer aspecto é um erro sério. Se o homem deve ser amado como
homem, deve-se amá-lo conforme ele é (e conforme ele será) viz., como criatura
física e social, bem como espiritual.
Até mesmo se alguém rejeitar as doutrinas da unidade do homem e da
imortalidade do corpo, é miopia demonstrar preocupação somente com as dimensões
espirituais da vida. Os homens nesta vida, pois, têm mesmo corpos, e não podem
viver aqui sem eles. Se, portanto, devemos alcançá-los para o mundo do porvir —
se vamos salvar suas "almas" — então isto deve ser realizado através
dos corpo deles. Os corpos que estão morrendo de fome dificilmente ficarão
impressionados com a mensagem acerca do pão da vida, se nós lhes recusamos o
alimento para esta vida. Jesus alimentou a multidão faminta com pão físico
antes de pregar-lhe acerca do pão espiritual (Jo 6:11ss.). Os homens não têm
muita probabilidade de sentirem sede pela água da vida enquanto estiverem
assoberbados pela sede física. Noutras palavras, se os cristãos não mostrarem nenhuma solicitude para
com as necessidades físicas e sociais básicas dos homens, neste caso não
poderão esperar uma resposta multo
positiva da parte deles para sua
mensagem espiritual.
II.
AS RESPONSABILIDADES SOCIAIS ESPECIFICAS DO CRISTÃO
Uma maneira de demonstrar que os cristãos realmente têm uma
responsabilidade social, é mediante uma discussão das exortações específicas da
Escritura quanto a isto. Há, muitas
áreas de necessidades para as quais o cristão é responsabilizado com amor. A primeira
área, e a mais básica, é a
responsabilidade pelos seus.
A.
A Responsabilidade Social Pelos Seus
A responsabilidade de uma pessoa prover para si mesmo e para sua própria
família é sua
responsabilidade social básica. Num tipo de sociedade socialista, é fácil
esquecer que a sociedade não
deve o sustento aos capacitados; pelo contrário, deve-lhe a oportunidade de
ganhar a vida. É neste sentido que há
verdade no lema: "Luto contra a pobreza; trabalho."3
1.
Prover para Si Mesmo — Há um sentido em que o amor-próprio está na própria base da responsabilidade social.4
O homem deve amar a seu próximo como a si mesmo. Paulo disse:
"Porque ninguém jamais odiou a sua própria carne, antes a alimenta e dela
cuida...' (Ef 5:29). No entanto, nem todos amam a si mesmo de um modo apropriado.
O modo apropriado de amar a si mesmo é prover as necessidades básicas para
sua própria existência. Não será
possível viver e amar aos outros a não ser que a pessoa ame sua própria vida e
a sustente. "Contudo vos exortamos, irmãos," escreveu Paulo, "a
diligenciardes por viver tranquilamente, cuidar do que é vosso, e trabalhar com
as próprias mãos, como vos ordenamos; de modo que vos porteis com dignidade para com os de fora e de nada venhais
a precisar" (1 Ts 4:11, 12). Na sua Segunda Epístola aos Tessalonicenses,
o apóstolo lembra do seu próprio exemplo: "Nunca nos portamos
desordenadamente entre vós, nem jamais comemos pão, de graça, à custa de
outrem; pelo contrário, em labor e fadiga, de noite e de dia, trabalhamos, a fim de não sermos pesados a
nenhum de vós" (3:7, 8). E deixou este mandamento com eles: "Se
alguém não quer trabalhar, também não coma" (3:10).5
Destarte, uma das coisas mais importantes que cada homem capaz pode fazer
em prol dos outros, é ganhar sua própria vida. Porque se cada homem que pudesse
se tornasse independente, logo haveria menos homens dependentes dos outros para
suas necessidades sociais básicas. Ou seja: o bem social fundamental que o
homem pode fazer pelos outros é prover para si mesmo de modo que outros não
precisem prover tanto para si mesmos quanto para aqueles que se recusam a se
sustentar. Neste sentido, o amor-próprio é um dos bens sociais primários, e
mais fundamentais que alguém pode realizar.
2.
Provendo para Sua Família — Naturalmente, nem toda pessoa está capacitada a prover para si mesma. Há
crianças, dependentes, viúvas, órfãos, e outras pessoas indigentes. Se
acontecer que alguma destas pessoas está na família imediata dalguém, ou entre
seus parentes, neste caso é sua responsabilidade social prover por elas. Quanto
a este aspecto, a Bíblia é muito clara: "Ora, se alguém não tem cuidado
dos seus e especialmente dos de sua própria casa, tem negado a fé, e é pior do
que o descrente" (1 Tm 5:8). Além disto: "Se alguma crente tem
viúvas, socorra-as e não fique sobrecarregada a igreja, para que esta possa
socorrer as que são verdadeiramente viúvas" (v. 16). A lição é que a obrigação social primária pelos pobres e necessitados não
recai sobre a igreja nem sobre o estado, mas, sim, sobre a família imediata.
Isto não significa, naturalmente, que a pessoa não possa cumprir sua
responsabilidade social aos parentes, indiretamente, através da assistência
social que é sustentada pelos seus impostos. Significa, isto sim, que o
indivíduo capaz deve prover para seus parentes dalguma maneira, seja através do
estado, seja por conta própria.
Do outro lado da questão, está subentendido que pessoas capazes, sejam
elas viúvas ou não, proverão para si mesmas de modo que os parentes, a igreja
ou o estado não tenha que prover para elas. Paulo não permitia que viúvas com
menos de sessenta anos de idade fossem colocadas no rol da assistência, e mesmo
então, somente aquelas que anteriormente tinham ajudado a outras eram arroladas
(1 Tm 5:9, 10). As viúvas mais jovens eram encorajadas a manter-se ocupadas e a
casar-se de novo (v.14). A regra subentendida a cada passo é que a pessoa deve
prover para seus próprios, a não ser que seja incapaz de cuidar de si mesma. Se
alguém deixar de prover para seus parentes indigentes, fracassou na sua
responsabilidade cristã básica à sua própria família.
3. Provendo para Seus Irmãos
Crentes — Segundo as Escrituras, a próxima responsabilidade social da pessoa é aos
demais crentes. Além das da sua própria família, há as necessidades doutros
crentes, que devem preocupar o cristão. Paulo conclamou os gálatas: "Por
isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da
família da fé" (6:10). O próprio
Paulo estava muito ativo em levantar uma oferta para os santos pobres em
Jerusalém (cf. Rm 15:26). João, semelhantemente, ressaltou a providência para
as necessidades dos irmãos, e escreveu: "Ora, aquele que possuir recursos
deste mundo e vir seu irmão padecer necessidade e fechar-lhe o seu coração,
como pode permanecer nele o amor de Deus?" (1 Jo 3:17).
Tiago é igualmente firme na ênfase sobre a providência para os irmãos:
"Se um irmão ou irmã estiverem carecidos de roupa, e necessitados do
alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: 'Ide em paz,
aquecei-vos, e fartai-vos,' sem, contudo, lhe dardes o necessário para o corpo,
qual é o proveito disso?" (Tg 2:15, 16). A fé sem obras é morta. Conforme
a expressão de João: "Se alguém disser: 'Amo a Deus,' e odiar a seu irmão,
é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a
Deus, a quem não vê" (1 João 4:20). E a marca mais básica do amor cristão
é o amor aos irmãos. Jesus disse: "Nisto conhecerão todos que sois meus
discípulos, se tiverdes amor uns aos outros" (Jo 13:35). A
responsabilidade social do cristão, quanto ao amor além da sua própria família,
começa com a família de Deus. Esta verdade também é subentendida no cuidado da
igreja primitiva com suas próprias viúvas (At 6:1; 1 Tm 5:9ss).
Não se segue disto que os cristãos não devam se preocupar socialmente com
os não-cristãos. Longe disto. A Bíblia está repleta de evidências de que os
crentes devem fazer o bem a todos os homens. A solicitude social dos cristão deve começar com sua própria família e com outros crentes, mas não deve terminar ali.
Esse pequeno estudo (parte 1) está baseado no oitavo Mandamento da Lei de Deus.
Pr. José Francisco.