Todos
os cristãos ortodoxos creem que Cristo morreu para redimir as pessoas, mas nem todos
concordam sobre por quais pessoas ele morreu. Os arminianos creem que Cristo
morreu por todo o mundo. Assim, ele apenas tornou possível a salvação a todos,
mas depende de cada um fazer uso, ou não, do poder redentor que Cristo
conquistou. Os calvinistas, entendendo que o sacrifício de Cristo não apenas
possibilita a expiação, mas realmente a efetua, sustentam que Cristo morreu
pelos pecados de seu povo. Segundo essa interpretação, Cristo não poderia ter
morrido pelos pecados do mundo inteiro, pois, se tivesse feito isso, teria
necessariamente salvo todas as pessoas do mundo inteiro.
Mas
a Bíblia ensina isso? Inicialmente devemos perceber que Jesus falou em morrer
pelas suas ovelhas. Ele disse: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida
pelas ovelhas” (Jo 10.11). Dessas ovelhas ele disse: “Conheço as minhas ovelhas,
e elas me conhecem a mim” (Jo 10.14). Em seguida ele declarou: “Ainda tenho
outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha
voz; então, haverá um rebanho e um pastor” (Jo 10.16). Mas certamente essas
ovelhas não eram todas as pessoas do mundo sem exceção. Mais à frente ele disse
para um grupo de incrédulos: “Vós não credes, porque não sois das minhas
ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem”
(Jo 10.26-27). A conclusão óbvia a que podemos chegar é que ele não morreria
por aquelas pessoas, uma vez que não eram suas ovelhas, pois disse que morreria
pelas suas ovelhas. Essa afirmação de Jesus limita o alcance da expiação. Ele
morreu pelo seu povo, pelas suas ovelhas.
Em
outras passagens, Jesus deixou claro que morreria não por todos, mas por
muitos: “O Filho do Homem, não veio para ser servido, mas para servir e dar a
sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28). A mesma linguagem pode ser
encontrada em Hebreus 9.28: “... Cristo, tendo se oferecido uma vez para sempre
para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o
aguardam para a salvação”.
João
17 transcreve a oração que Jesus fez pouco antes de morrer. Nessa oração ele
fez questão de orar por seus discípulos: “Manifestei o teu nome aos homens que
me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua
palavra” (Jo 17.6). Em seguida, Jesus delimita o escopo de sua oração: “É por
eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são
teus” (Jo 17.9). Por que Jesus não orou pelo mundo, mas apenas pelos seus
discípulos? Se ele daria sua vida em resgate por todas as pessoas do mundo,
deveria orar por elas também! Mas ele orou apenas pelos crentes (do passado e
do futuro: Jo 17.20). Sua obra de intercessão depende de sua obra de expiação,
pois é só através de sua morte que pode conceder benefícios aos homens. Se ele
não orou pelas demais pessoas do mundo é porque não morreria por elas.
Algumas
passagens bíblicas são apontadas para mostrar que Cristo morreu por todos os
homens. A mais famosa é João 3.16: “... Deus amou ao mundo de tal maneira que
deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna” (Ver Jo 1.29; 6.33, 51; Rm 11.12; 2Co 5.19; 1Jo 2.2). A expressão “mundo”
se refere a cada pessoa sem exceção? Se conseguíssemos provar que tenha
existido pelo menos uma pessoa que Deus não tenha amado, então, não teríamos
razão para crer que “mundo” em João 3.16, ou mesmo noutras passagens, diga
respeito a cada pessoa sem exceção. O fato é que encontramos tal pessoa: Esaú.
Dele, em contraste com seu irmão Jacó, a Bíblia diz: “Amei Jacó, porém me
aborreci de Esaú” (Rm 9.13). Literalmente, o texto diz que Deus amou Jacó, mas não
amou Esaú (a palavra “aborreci” literalmente significa “odiei”). Isso é
suficiente para dizermos que quando a Bíblia diz que Deus amou o mundo, não está
se referindo a cada pessoa sem exceção, pois Esaú, pelo menos, está fora desse amor.
Dizer que Deus ama o mundo equivale a afirmar que ele ama genericamente toda a
sua criação. Ele mandou seu Filho a fim de criar um novo mundo, mas nem todas
as pessoas deste mundo serão renovadas.
Existem
outras passagens que dizem que Cristo morreu por todos os homens (Rm 5.18, 1Co
15.22, 2Co 5.14, 1Tm 2.6, Tt 2.11, Hb 2.9). O que se pode dizer de todas essas
passagens é que não podemos interpretar a expressão “todos os homens” como se
referindo a todos os homens sem nenhuma exceção. Se fizéssemos isso estaríamos
afirmando que todos os homens serão salvos. Por causa disso, necessariamente a expressão
“todos” desses textos se refere a todos os salvos, ou mesmo, a todas as classes
de homens. Em Romanos 5.18 e 1Coríntios 15.22 a expressão “todos” inclui
somente os que estão em Cristo em contraste com os que estão em Adão. Em 2Coríntios
5.14 e Hebreus 2.9 o mesmo deve ser dito, caso contrário todos os homens acabarão
sendo salvos. A passagem de Tito 2.11 refere-se a todas as classes de homens,
mas não a cada homem sem exceção. Por fim, 1Timóteo 2.6 fala sobre a inclusão
tanto de judeus quanto de gentios na salvação.
O
texto que parece afirmar de forma mais clara que a morte de Cristo foi pelo
mundo inteiro é 1João 2.2: “... ele é a propiciação pelos nossos pecados e não
somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro”. O argumento
em favor da expiação limitada entende a expressão “mundo” nesse texto como uma
descrição generalizada, querendo apontar para um grupo especial, o grupo dos
salvos do mundo inteiro. Não significa cada pessoa do mundo sem exceção, pois
caso contrário, essa propiciação evidentemente salvaria todas as pessoas. É
preciso lembrar que propiciação significa “apaziguar a ira de Deus”. Se Jesus
apaziguou a ira de Deus para cada pessoa do mundo, então, Deus não estaria mais
irado com ninguém, e todos iriam para o céu.
Se
Cristo de fato tivesse morrido por todos os homens sem exceção, então em muitos
casos, seu sangue teria sido impotente, porque apesar de ter dado a vida por
alguma pessoa, talvez aquela pessoa acabasse no Inferno. Quando Cristo morreu,
pessoas já estavam no Inferno? Sim, todas as pessoas que morreram sem salvação
antes de sua vinda. A questão é: Ele morreu por elas também? Parece ilógico
dizer que sim, pois seria um desperdício de um sangue tão precioso. Teria Cristo
morrido por Judas Iscariotes? A Bíblia chama Judas de “o filho da perdição” (Jo
17.12), e diz que tudo o que aconteceu através dele aconteceu segundo o que as
próprias Escrituras haviam profetizado (Mt 26.24). De acordo com a Escritura,
Judas não tinha chances de ser salvo, então, por que Jesus morreria por ele?A
Escritura fala da obra de Cristo em termos definitivos em favor dos eleitos. Se
ele morreu por todos os homens, então todos os homens precisariam de fato ser
salvos. Só há duas opções, ou a redenção é limitada em seu alcance ou é
limitada em seu poder. É preferível pensar que ela seja limitada no alcance, ou
seja, que não foi posta para alcançar todos os homens. Ela não é limitada em
poder, pois pode salvar completamente todos aqueles a quem foi destinada.
O Rev. Leandro Antônio de Lima é membro do Conselho Editorial do
BP.
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